quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Luz Negra

Luz Negra
Vácuo, lugar de deslocamento, cuja ausência significa presença de algo, um espaço que pode medir infinitos bilhões de quilômetros, e que também é imensuravelmente pequeno como o diâmetro de um neutrino, aquilo que está contido e contém o Universo. Trilhões de trilhões de moléculas de Hidrogênio e Hélio por entre a escuridão mais absoluta, interagindo pelo processo de transmissão de energia denominado irradiação ou pela misteriosa atração gravitacional, aprisionada em uma máscara de belos e poéticos cálculos matemáticos, que já povoaram os pesadelos de muitos estudantes. Aliás, nenhum estudante, ou melhor nenhum ser humano, ou melhor, nada, nem merda, nem cheeseburgers são capazes de sobreviver inteiramente nus a qualquer ambiente fora da atmosfera do tão maltratado planeta Terra. Menos eu. Estou agora viajando a uma velocidade imensurável do hiperespaço. Nosso Universo possui distâncias temporais e espaciais que podem ser relativas. Para os tripulantes de uma nave viajando à velocidade da luz, uma longa viagem interestelar pode ser feita em meia-hora, para o piloto da nave, enquanto na Terra os controladores de vôo já envelheceram e morreram. O Hiperespaço é uma espécie de atalho, como se uma ponta do universo pudesse ser dobrada como uma folha de papel ou um tecido, o espaço e o tempo desaparecem. Há naves que são capazes de cruzar a Via Láctea em menos de meia hora, e é interessante observar, em um holomapa, o formato de “costura” da trajetória..
Além das naves, alguns seres vivos também podem alcançar “velocidade de dobra”. Aliás, preciso me apresentar: sou Draktapillar, cidadão integrante do Planeta - Entidade Drakta. Minhas habilidades hiperespaciais são-me ensinadas porque assim é preciso para executar minha função. Sou um interceptador. Há muitos iguais a mim em meu planeta, todos extremamente eficientes. O termo “Interceptador” é bastante antigo, atualmente é apenas um apelido de certa forma carinhoso. Durante incalculáveis anos galácticos a via-láctea era, para mim, surda e muda, e agora, em um milésimo de instante de transformações entre matéria e energia , após virar a curva em Saturno e cruzar um cinturão de asteróides eu despenco pela atmosfera áspera do planeta azul.
Espelho. Eu sei o que é um espelho? Devo saber... é para um espelho que eu olho agora e vejo uma imagem.Um par de olhos azuis, uma camisa azul de ceda e uma calça jeans. A imagem não é clara, está escuro, e aos poucos começo a perceber uma miscelânea de sons: ruídos, gritos, gargalhadas, vozes, gemidos e a cadência tonitroante da batida de algum tipo de ritmo africano.. Novamente me pergunto como posso saber tudo isso?Preciso me concentrar... quem eu sou? O que eu sou?Tenho minhas hipóteses.. Rápido demais. Eu atravessei o sistema da estrela amarela quase à velocidade da luz. Tornar-se pura energia, este é o risco que os interceptadores correm. Minha existência se converteu em ondas eletromagnéticas e elas encontraram, ressonância e anteparo em algo, ou alguém. Um habitante do terceiro planeta, sim, a luz que o espelho reflete é de um habitante da Terra. Minhas idéias começam aos poucos a desacelerar e a captar seus pensamentos e memórias, ou a se misturarem com eles.Humano, começo a pensar que sou humano.. assim são os habitantes deste planeta, ou pelo menos os que conseguem decodificar os pensamentos e integrá-los em algo semelhante ao “Eu”. È assim que este eu pensa.. mas é engraçado que para este ser humano a ideia de humano é difusa, complexa. Vasculho sua mente e encontro intrincadas redes de pensamentos, formando nebulosas, algumas posso vislumbrar códigos “filosofia” subcódigos “existencialismo”, “subjetividade”, “mente” “sistemas”. Este ser humano parece ter adquirido habilidades de pensamento em algum tipo de escola.Tento estreitar o vínculo. Para isso preciso esquecer um pouco quem eu sou, dissolver meu eu nos pensamentos do outro....


Recém-formado e endividado em pleno mês de março.. Tudo o que eu consigo fazer é fumar, beber e escrever. Nos últimos meses, ainda que conseguisse algumas boas trepadas, minhas relações com as mulheres andavam um pouco conturbadas. Começava a pensar que era melhor assim, Na verdade mesmo o sexo já não tinha tanta importância para mim, e o que sinto agora é um tipo de entorpecimento, como se meu corpo estivesse dissociado de minha mente, quase com em uma anestesia raquidiana, olhava a tudo na minha volta e nada daquilo provocava nenhuma sensação, pelo menos uma sensação adequada, uma ereção, um batimento cardíaco acelerado, nada...Estou em um lugar em que as pessoas estão em volta de mim fazendo sexo, gemendo, resfolegando, dançando. È uma casa de swing, está tudo escuro, apenas as calcinhas e sutiãs, cuecas, robes, camisas dos poucos corpos vestidos emitem uma freqüência luminosa intensa proporcionada pela luz negra. Por todo lado há mesas, sofás, almofadas, preservativos fluorescentes, pênis e vaginas. O lugar é labiríntico, caminho pelo salão maior e adentro as antecâmaras, onde há enormes camas cheias de corpos balançantes. Junto comigo um bando de velhos depravados andam de um lado para outro e tentam levantar seus pintos flácidos.
Estou um pouco entendiado e nauseado. Lembrei de um sonho que eu tive, no qual a lua explodia como uma ogiva nuclear. Peguei uma cerveja sentei e fiquei imaginando a radioatividade lunar e a luz negra refletindo na calcinha branca de uma mulher negra alta e esguia, e da cabeça de meu amigo Bernardo Carpegiani que levantava e descia do meio daquelas pernas. Bernardo gosta de chupar boceta, e neste momento ele está na mais pura imersão vaginal. Ao meu lado está um velho punheteiro, que grita, indignado:
- Ih, já começou a chupação.
Eu olhava para aquele esqueleto vivo, um sobrevivente de guerras urbanas ressentido e decadente, e pensava em Spinoza, nos bons e maus encontros, no veneno diminuidor de potência, nas paixões tristes e alegres.Spinoza era considerado herege pelos católicos e ateu pelos judeus(ou seria ao contrário?) e tentou convencer as cabeças recém saídas da idade média que todo o universo refletia a luz divina: o belo, o feio, a merda e o perfume, os assassinos depravados e as velhas virgens.. Morreu pobre, doente, amaldiçoado, seus amigos o traíram e hoje é um dos filósofos mais conhecidos e respeitados no mundo. Quando eu e Bernardo chegamos, ele foi passar o cartão na entrada (sim, o lugar é cobrado como um Buffet,pago adiantado) e a balconista perguntou:
-Vai pagar para ti e para o teu amigo com cara de assustado
Ela precisava dizer uma coisa dessas? Eu, que estava quase em pânico, sentia meu pau encolher de tamanho na inversa proporção em que meu coração acelerava, decréscimos de potência, dizia o velho Spina
Então, sou um filósofo devasso para a academia e um putanheiro amador e ingênuo vagando por aquela imensa suruba. Olhei para o velho se masturbando. Vale a pena?
Enquanto isso, Bernardo trepava em pé com a deusa de ébano, enquanto ela gritava:
-Goza, me dá teu leite
Tive um deja-vu e pensei em uma via-láctea e em espermatozóides singrando o vácuo sideral como cometas, e no grande cú invertido que parece ser um buraco negro, enquanto meu amigo dava seu derradeiro urro de prazer, desfalecendo no sofá, para logo em seguida acender um cigarro. Um sujeito barbudo e peludo com cara de funcionário público chama a deusa negra e, com um sorriso babão, bate no peito, como se dissesse “é minha vez”. Ela finge ignorar e olha para mim de maneira inquisidora. Noto que ela está com a calcinha enrolada no pulso, brilhando intensamente com a luz negra. Ela se vira na minha direção. Pelos Diabos!!!! È uma pantera negra, a foda dos meus sonhos adolescentes, quando eu imaginava voar, ser superforte, imortal e ser capaz de persuadir todas as mulheres a fazer sexo furioso comigo, inclusive as que habitavam as revistas.
Ela pergunta:
-E tu aí, já transou?
-Sim, já transei.
È verdade, eu já havia transado.. Logo que eu e Bernardo havíamos chegado a casa estava vazia, e as mulheres estavam todas em grupos, sentadas nas mesas.Lembrei do telefonema que recebi algumas horas antes quando já estava em casa de banho tomado, pronto para ler um pouco de Nietzsche e dormir. Era domingo. O telefone tocou, era Bernardo Carpegiani, Bernardo é daqueles tipos que parece ter um reator nuclear no cérebro, sua voz parece a do Axl Rose e é tão viciado em sexo e Adrenalina que a abstinência lhe provoca dor na cabeça e até nas bolas. Pelo jeito estava com as duas.
-E aí, Henri, o que tá fazendo..
-To deitado, lendo Nietzsche
-Maaaasssaaa, e aí, quero te convidar para ir a um lugar
-Onde?
-No Divan’s
-Sério?-Bernardo já tinha me falado de suas aventuras e feito uma tremenda propaganda do lugar. Minha mente masculina primata e adolescente ficou excitada, imaginando uma noite luxuriosa de sexo interminável e sessões de kama sutra. No mundo real senti o estômago gelar, além do mais, realmente o sexo não era uma grande preocupação da minha vida, e descobri a desculpa perfeita.
-Sério, vamos lá, é a noite dos solteiros, hoje vai pouca gente vamos tocar o terror...
-Véio, eu to duro-putz, metáfora péssima- pelado - pior ainda -sem grana, não sei se vou ganhar a bolsa de mestrado. Na real era verdade, mas não era só isso. Eu não estava interessado em sexo. Eu vivia o pior momento de minha vida financeira e profissional, recém formado em Filosofia e esperando pela bolsa de mestrado, mas minha vida sexual nunca tinha sido tão intensa. È claro que este raciocínio é linear, afinal, no sexo a tragédia e a comédia superam qualquer lógica imaginável.
-Ah, pára com isso, seu cagão, eu pago co cartão de crédito e tu me devolve quando a bolsa chegar...
Era o que eu temia.Bernardo pegou um taxi e lá fomos nós para a casa da luz vermelha, ou melhor, da luz negra.
Estávamos sentados em uma mesa com três ou quatro mulheres, e todas davam risada do fato de Bernardo gostar de sexo oral. Eu estava quieto, lacônico, eu não sei jogar conversa fora ou falar de putaria, e minha impressão ninguém na mesa queria discutir o Inconsciente Estético de Jaques Ranciére ou os fluxos do tempo deleuzianos em comentários da obra de Marcel Proust. Aos poucos as pessoas começavam a chegar, na mesma proporção que volume da música aumentava.
Este lugar sequer me inspirava a devassidão carnal e visceral da obra do Marquês de Sade, afinal, era apenas pessoas fazendo sexo por dinheiro, não havia poesia, nem indecência nem dominação. O lugar era administrado por um velho ranzinza que ficava o tempo todo mandando as mulheres trabalhar, como um vaqueiro enxotando um rebanho. Percebi que uma loira baixinha sentou ao meu lado e começou a puxar papo, encostou as pernas em mim e pegou na minha mão. Assim como a balconista, ela sentiu o cheiro do meu medo, que deve ter a mesma flagrância dos otários. Bernardo falava por mim e por ele. Uma hora ele perguntou se ela gozava quando estava trabalhando lá. Ela disse que nunca, nunca jamais havia tido um orgasmo trabalhando. Pensei em um antigo cartum do Angeli, “Paulista também trepa”, era o nome. O desenho era uma linha de montagem de pessoas fazendo sexo, como frangos sendo depenados e decapitados em enormes frigoríficos. É uma noite perfeita, vou transar com uma mulher que já descartou o orgasmo por antecedência. No salão maior da casa havia um pequeno palco. Ouvi o velho vaqueiro falar no microfone como uma espécie de mestre de cerimônias.
-Está na hora da dança da cadeira.
Pelo que o Bernardo me falou, é uma brincadeira erótica, feita para descontrair. Penso em Freud e no “Mal estar na civilização”:as pessoas pagam para entrar em um ambiente de sexo livre e ilimitado, onde há mulheres pagas especialmente para isso e maridos se prestam a levar as esposas para vê-las transar com um desconhecido, e é necessário uma dança das cadeiras infantil para todos se liberarem e perderem a vergonha. Penso em ir vomitar no banheiro. Quando a dança começa, a minha acompanhante pega minha mão e me arrasta para outra sala.
-Vamos lá na suíte virtual
Entramos em um cubículo onde havia um colchão com almofadas e paredes forradas de papel alumínio, e imensas lâmpadas apontavam para nós, amplificadas pelas paredes refratárias. A suíte virtual era uma novidade do Divan’s, possuía uma câmera que filmava e fotografava e transmitia ao vivo pela internet. As paredes de alumínio serviam para otimizar a luz e melhorar a qualidade das imagens. Aquilo parecia um maldito microondas. Ali estava eu, nu, cozinhando no calor dos infernos e me degladiando com uma puta frígida enquanto punheteiros insones escreviam gracinhas em uma sala de chat.No fim do combate (sim, aquilo pareceu uma luta-livre telecats: ninguém bateu e ninguém apanhou) Ela perguntou se eu tinha um “brilho”, eu respondi “quê?”. Depois de uns 15 minutos o velho vaqueiro inútil começou a gritar para liberarmos a suíte. Vesti minhas roupas rapidamente e atravessei um corredor cheio de homens peludos de toalha ou roupão, pensando em como somos ridículos e gastamos nestes lugares um tempo precioso, no qual poderíamos tornar o mundo melhor.
Agora eu respondo novamente a pergunta da deusa de ébano:
-Sim, já transei
Fui tomar outra cerveja, e comecei a andar de um lado para outro junto com os velhos punheteiros, enquanto Bernardo se preparava para mais uma de suas cinco ou seis. Eu comecei a olhar fixamente para a luz negra...
Vácuo, retornei ao vácuo. Posso agora sentir a delicada vibração dos raios cósmicos enquanto atravesso camadas e camadas de radiação e calor intenso até mergulhar no centro do sol, onde podia observar os choques entre os átomos, os ventos solares, o calor intenso e brincar no repuxo da gravidade.E é desta energia que os seres vivos dependem.

Um comentário:

Rosali Alves - Desenhista disse...

uhum... gostei do "antipedagogo anarquista"... Vindo de um psicologo, então eu não devo ser tão louca.