segunda-feira, 12 de março de 2007

A Carne e a terra

A Carne e a Terra

I- Apresentando o espectador/narrador/personagem imortal:
O Vampiro Samael
Confesso aos leitores que iniciei minha participação na história a seguir por mero desejo, simples curiosidade. Sou imortal, ou melhor, não sei como nem quando vou morrer, ou nem sei se já morri, mas continuo existindo. Mas afinal, o que é a existência? Será este conjunto de memórias organizadas em torno de um corpo, que dão esta sensação de que há um mundo fora de mim? “Vivi” todo o tempo possível ou pelo menos o impossível a qualquer ser humano. Tenho quase cinqüenta mil anos, provavelmente nasci em uma época e cultura que sequer conheciam a linguagem verbal e muito menos a complexa escrita. Lembro-me muito pouco, pois já estamos no ano 2003 do calendário usual, vivenciei (estive “vivo”...) praticamente todos os anos da humanidade. Não de sua história, pois ela é fruto do que apenas alguns homens puderam escrever, difundir, guardar e comunicar. A história é transcendente, a humanidade repousa nos porões da concretude. Não sei como surgi, mas tampouco os mortais sabem de onde vieram, somos todos miseráveis órfãos cósmicos de origem incerta e memória curta. Caminho, vôo, nado, rastejo , chafurdo, perscruto este planeta chamado “Terra” por muitos humanos desde tempos tão absurdos e remotos, que eu próprio reconheço esquecer às vezes que o calendário mortal é arbitrário. No início eu falava em curiosidade, minha mestra, única da qual nunca me esqueço, pois tudo que faço é aprender e aprender cada vez mais.
Algum humano diria que eu seria a história viva da humanidade, mas, se me perguntar alguma coisa poderá surpreender-se com a resposta. Com a alegria de uma criança brincando na água contarei histórias sobre a sonífera maciez ruidosa mesclada ao branco azulado cintilante de uma lâmpada fluorescente, ou quem sabe descreverei a violenta atividade cinética dos cacos de vidro no exato momento em que um copo de cristal atinge o chão espalhando bilhões de átomos. Nunca, pelo menos em minhas observações, vi um fenômeno repetir-se, ainda que o tenha observado incontáveis vezes. Sempre tenho histórias para contar sobre coisas ínfimas mas que possuíam sempre características próprias, algo sempre é diferente. Interessante. Já os mortais sempre insistiram em criar fenômenos eternos, reversíveis, absolutos, ideais.
O “HUMANO”, ele chama-se assim , inventou uma versão acelerada de sua história pela cômica e imaginativa ciência arqueológica, e suas admiráveis equações para calcular a idade da Terra, pela medida do tempo da morte ou vida de certas moléculas. Ciclos, o tempo é uma sucessão de ciclos observada pelo humano, inclusive pelo seu próprio. É óbvio que nasci bem antes da ciência matemática, mas sua grande aceitação por toda humanidade engendrou uma máquina coletiva de fortes engrenagens subjetivas. Durante muitos anos o calendário foi a âncora da existência, e ainda é, apesar de estar sofrendo mudanças não na sua forma, mas na maneira como é percebido. Repito, leitores, repito, sou muito curioso. Experimentem beber sangue algum dia, creio que muitos já beberam em uma picanha mal passada ou uma galinha ao molho pardo, mas sugiro que pensem no gosto do sangue, e matem a fome com ele. Eu descobri que a vontade nunca é por sangue em maior quantidade, e sim por sangue diferente.
Meu cérebro está funcionando a uma velocidade altíssima, e é capaz de aprender cada vez mais e mais rápido. Contrariamente aos atuais processadores de informação mecânicos utilizados pelos mortais, quanto mais informação recebo, mais rápido fico. Uma piada infame: sou tão rápido que termino de colocar os tênis antes de colocar as meias. Na verdade detenho o domínio das velocidades. Posso ser também lento como uma estátua, tão imóvel que o mundo ao meu redor passa a andar mais rápido.
Já transcendi quaisquer barreiras de espaço, posso estar onde quiser e na hora que quiser. Tenho hábito de dormir, mas já fiquei acordado durante vários anos, observando sequóias brotarem e ficarem petrificadas, o delicioso, intenso e silencioso movimento da seiva jorrando por gigantescas tubulações vindas do alto das folhas, que deixam-se fecundar pela intensa luz solar. As árvores são uma memória que nunca deixará meus sonhos e pensamentos. Tomei consciência do meu próprio mal, da violência de me alimentar do sangue, a seiva humana, de maneira cruel e indiscriminada, observando o fim da ilusão de imobilidade de uma árvore. Em sua ansiosa velocidade de raciocínio e organização o humano é capaz de descrever linear e aceleradamente este processo, (fotossíntese) a partir de ciclos químicos, e suas quebras e seqüências. Talvez tenha desenvolvido esta fúria descritiva por maravilhar-se e sentir-se estranho ao deparar com seres que usam como energia a luz do sol, oferecem moradia pacífica a outros seres, bem como compartilham seus nutrientes em troca de transporte de suas sementes na forma de deliciosos frutos. Durante boa parte da minha existência fui uma fera bestial e sedenta por sangue, especialmente o humano, e por morte.
Em alguns lugares aproveitei-me da idolatria humana e criei seitas que prestavam cultos sangrentos através do sacrifício de mulheres jovens e virgens, ou criminosos fortes e robustos. Acrescentei à imagem do demônio minhas enormes presas sangrentas e meu olhar feroz de predador noturno. Minha substância corporal, quando “jovem” era mais mole que a dos mortais e dissolvia-se diante da venenosa luz solar. Foi minha época mais faminta, meu corpo ardia por sentir o calor salgado do líquido vermelho escorrer pela garganta. Hoje, meu corpo, ainda que mantenha exatamente a aparência jovem de um mortal, transformou-se em uma matéria dura, um processo semelhante à petrificação das árvores.
Também já tive sonhos que duraram décadas, mas, para mim, foram poucos minutos. De tempos em tempos, e já observei também em outros da minha espécie, sinto um invencível impulso de isolamento, tão intenso que cavo túneis de centenas de metros de profundidade para entrar em máximo contato com a Terra, o sufocamento, a imobilidade. Agora mesmo estou mergulhado em um imenso lençol d’água, e meu corpo parece ter a minha idade, esquelético, podre, repleto de feridas pustulentas. Nas profundezas da Terra é escuro, não há o que ver, a beleza torna-se supérflua. Na superfície, tenho a aparência de um jovem de 25 anos, nascido em uma época que a força bruta era condição primordial de sobrevivência, e que hoje tem um poder de percepção tal que debaixo de toneladas de rochas é capaz de ver tudo o que se passa em uma pacata cidadezinha do interior, mais especificamente em cima de um móvel antigo e empoeirado repleto de bugigangas. Entre elas havia um retrato, uma espécie de captação instantânea de uma realidade já acontecida, mas que retorna quando reconhecida ali. Uma captação de luz por uma película que é retransmitida a um papel. Luz, a mesma luz que atinge os olhos, constituída de freqüências luminosas que batem em um objeto e dirigem-se a outro capaz de captá-la. Meus olhos captam a luz e a misturam com esquemas de pensamento e memórias, formando imagens e pensamentos. Uma fotografia é um pedaço de papel, nada mais, se o cérebro não recobrir os olhos de informações. Mesmo estando seus sistemas de lentes completamente operacionais, os olhos sozinhos são completamente cegos.
Há algum tempo parei de beber sangue, e também de interagir com os mortais, mas a história dos Torteloni fez-me intervir, mexeu com minhas emoções, convenceu-me que eu já tenho poderes para transcender a máquina de matar que fui. Além do mais já está um pouco entediante ficar aqui parado no meio das rochas. Neste momento vasculho minhas memórias e lanço pensamentos em forma de um sutil campo magnético ressonante na freqüência média do cérebro humano .Recebo uma torrente de memórias e fatos caóticos mas que meu aparelho transcodificador organiza tematicamente em torno da histórias de uma família que aparece em meus olhos em três dimensões e em um razoável roteiro. Eis a foto, em preto e branco:


Pessoas da Foto:
Pai: Agenor Torneloni
Mãe: Marieta Torteloni
Menino de calças curtas: Cássio Torteloni
Menino com mãos nos bolsos: Germano Torteloni
Menina no colo: Leila Torteloni
Agenor e seus dois filhos morreram um dia depois do retrato ter sido tirado. Foram atingidos por um raio enquanto trabalhavam na roça. A enxada de Cássio atraiu uma descarga de 30.000 volts e os três foram instantaneamente carbonizados. Isso aconteceu há 26 anos. Hoje, Marieta e Leila sobrevivem lavando e passando roupas e fazendo faxina. No ano de1999, Leila conseguiu que uma rica família a aceitasse como doméstica por um bom salário e ainda ajuda na alimentação. Com o tempo, pode completar o seu supletivo de primeiro grau e passou a sonhar com um curso de secretariado, sem precisar parar de ajudar sua mãe. Sua primeira relação sexual foi há dez meses, quando encontrou o filho de seu patrão em uma festinha no único clube de sua pequena cidade.
Dez meses depois, dentro de um vaso:
Tubérculos elásticos agarrados entre si formam amarras tenazes tendo como meio uma mistura de minerais que agora juntam-se a moléculas de hemoglobina. Sangue, água a adubo penetram na permeabilidade das raízes e a seiva torna-se uma carne vegetal. A terra é fria
Dez meses depois, no banheiro onde está o vaso.
O frio faz tremelicar mãos pequenas e ásperas conduzem um frágil pedaço de papel higiênico que realiza sofregamente movimentos semicirculares. Rapidamente acaba dissolvendo-se em uma poça de água, sangue e líquido amniótico, no chão pedregoso de um imenso banheiro construído ainda na década de cinqüenta, que cede parte de seu espaço para alguns vasos de “comigo-ninguém-pode” O frio e o desespero fazem com que as dores que Leila sente desapareçam em uma massa amorfa de sensações. Inúmeras substâncias dançam pelo seu corpo e interferem na harmonia celular. Seu parto, infelizmente vertical, lançou seu rebento em direção ao chão de azulejos. Já não sabia mais se aquilo não era a melhor coisa a acontecer. Afinal, quem sabe? A criança estava morta. Mas afinal o que incomoda tanto na morte? Por que os mortos não têm direito à existência? Por que não deixam-nos como simplesmente “mortos”? Por que transformá-los em fantasmas e alegorias lógicas, entidades pavorosas e arrogantes, sentindo-se superiores aos humanos. A morte é um espetáculo ilusório. Imagino um homem que sofre uma parada cardíaca e é dado como morto pelos médicos, retirando-se amostras de seu corpo. verifica-se que boa parte de suas células continua viva. Ilusões, e nada mais, é disso que os terráqueos se alimentam.
Três Forquilhas
Três Forquilhas é uma cidade que expressa em seu nome certas nuanças de sua geografia que pertencem a épocas não muito distantes sob o tempo medido em horas, mas o rio que a atravessa continua dando origem a três riachos, cada qual bifurcando-se em um certo momento de sua trajetória, é por sua vez atravessado pelo tempo medido em acontecimentos. Metade do século XX bastou para que agricultores pobres, ousados e organizados, filhos e netos de imigrantes alemães e italianos, comprassem colônias baratas em terreno pedregoso mas com garantia de água potável. E muito trabalho nas roças de milho nutrisses das pocilgas repletas de animais fáceis de alimentar e fornecedores de uma carne versátil. Atentas às novas tecnologias trazidas pelas décadas de 40 e 50, uma das famílias que detinha o melhor pedaço de terra e de porcos investiu tudo o que tinha em um projeto de beneficiamento da carne suína, um frigorífico que, da mesma maneira que os filhos biológicos, recebeu o sobrenome Schbalsenkopf. Aristeu e Abrilina geraram Dionisio Schbalsenkopf, Ivair Schbalsenkopf e o Frigorífico Schbalsenkopf
Dentro do vaso, no banheiro
A porcelana lisa a impermeável delimita o contorno de um sistema vegetal isolado de outros. Um vaso de flores visto de seu interior é pura escuridão. Abaixo das raízes agora habitam pés, pernas, vísceras e um crânio mole amassado de tonalidades vermelho arrocheadas
. Três Forquilhas, onde fica o banheiro no qual está o vaso
Por sua enorme produção de suínos e derivados, Três Forquilhas é regionalmente conhecida como “A Terra do Porco” sendo seu grande e quase exclusivo evento turístico “A Porcada”, uma festa que, seguindo os costumes antigos, os maiores produtos das pocilgas eram abatidos, estripados e depelados, para que depois as mulheres os cobrissem e recheassem com iguarias e os introduzissem em imensos fornos de barro. O resultado era posto ao lado de mesas repletas de cucas, batatas, maionese e conservas, e devorado magnificamente entre goles de Chopp e Steinheger, a energia necessária para dançar a noite inteira a música de uma bandinha alemã que, inesperadamente, às quatro da manhã tocava “Another Brick on The Wall”.
O monstro
“A Porcada” do ano 2000 estava chegando a seu fim. Ivair, filho do Rei do Porco, já cheirou sua mesada da semana e “porqueava” abraçado à privada. não será difícil, como em todas as outras vezes, pegar seu jeep cherokee e dirigir até em casa. Lembrava da loira que havia comido meia hora antes naquele mesmo banheiro. Lembra apenas de algumas de suas trepadas, assim como alguns de seus treinos de Jiu-Jitsu na capital do Estado e dos rapazes da sua idade e tamanho que finalizou nos ringues. Porradas e trepadas, assim meu dom vampiresco capta as sensações vindas de quem conheceu Ivair. Uma das trepadas foi com sua empregadinha, para quem prometeu casamento. Agora ela estava grávida. Uma, apenas uma vez ele meteu naquela buceta, e um superespermatozóide, em uma atitude que confirma o princípio da incerteza, voou através da borracha da camisinha, passou pelo sangue, nadou ferozmente pela mucosa vaginal e cruzou heroicamente os pedaços do anel himenal, velejou pela trompa e atingiu o ovário tal qual os Hunos quebravam cabeças com machados. Aborto? Nem pensar. Sua família, tida como exemplar, ao descobrir a gravidez da moça, obrigou Ivair a casar! Ora, um vampiro narrador também sabe rimar! Engraçado, é engraçado, após uma centena de anos hibernando nas profundezas, observar no espelho do banheiro meu rosto jovem e de aparência inocente, meus olhos cinzentos e grandes como os de um gato, e meus cabelos surpreendentemente alinhados e macios. Para não chamar atenção “tomei emprestadas” as roupas de um rapaz da minha idade que estava na festa? jaqueta de couro, calça jeans e camiseta branca. Combinou comigo, assim como o Heavy Metal que escutei em um automóvel no lado de fora da festa, Black Sabbath. Quase que por reflexo, bebi o sangue do rapaz, Ora, creio que nunca é tarde para retomar velhos hábitos. Agora estou com fome. Olho para o canto e Ivair continua vomitando.
-Olá garoto, bebeu demais?
Ivair tira sua cabeça da privada e olha estranhamente para minha fisionomia tranqüila, aparentemente inofensiva.
- Não é da tua conta. Tu é viado, por acaso?
- Tsc Tsc Tsc, tanto dinheiro e você não passa de um animal, mesmo. Eu vim com uma mensagem: seu filho acaba de nascer e cair no chão duro. Eu posso salvar a criança, mas a mãe está assustada e precisa de proteção. Eu lhe ofereço uma escolha.
Seus olhos se arregalaram
-Ora, mas o que é isso? Como tu sabe disso? Fodam-se os dois, que morram os dois.
-Eu estou lhe dando uma chance de sobreviver. Posso matá-lo mais rápido que imagina
-Tu também vai te foder seu viado
120 quilos de músculos pularam em cima de mim tentando usar técnicas de torção e imobilização que na antiga Índia eram muito mais complexas e mortíferas, usadas apenas pelos melhores e mais honrados guerreiros, que além de artes marciais estudavam filosofia e religião. Hoje seus fragmentos são ensinados para adolescentes imaturos quebrarem suas cabeças em disputas de gangues. Seu ataque é facilmente neutralizável. Resolvi não usar meus poderes sobre-humanos. Controlo minha força e velocidade até que atinjam o nível de um mortal treinado em artes marciais. Durante alguns séculos observei monges chineses desenvolvendo técnicas profundas e complexas de luta, e de forma secreta, aperfeiçoei algumas e ensinei a alguns mestres. Com apenas uma esquiva e um leve toque, arremesso seu corpanzil contra a parede. Ele insiste , e ataca com a fúria e imprudência de um touro na arena. Eu sou preciso, flexiono minhas pernas na posição arco-e-flexa para dentro da sua guarda e com a “faca da mão” atinjo seu esterno, pressionando a caixa toráxica contra os o pulmões e o coração, impedindo-o de respirar. Puxo sua cabeça com violência e faço com que veja minha horrenda aparência vampiresca, meu olhar feroz e minhas enormes presas, que cravo em seu pescoço. O sangue cheio de adrenalina corre fresco pela minha garganta.
Ele tenta balbuciar alguma coisa
-Mas o que diabos é isso
Ora..
-Acertou na mosca, pode-se dizer que eu sou o diabo em pessoa, e vou te mandar para o inferno.
Ivair Schbalsenkopf morreu grunhindo como um porco. Não merece mais comentários.
No banheiro
Agora estou diante de Leila, que olha para mim aterrorizada, não sabendo se pede ajuda ou sai correndo. Muitas células do corpo da criança ainda estão vivas, ainda há tempo. Leila está em pânico, posso sentir seu cheiro acre e denso. Mas algo surpreende meus sentidos, como um borrifo de perfume, o perfume da tristeza e da pureza. Um cheiro morno, perturbador, lisérgico, entrou em minha mente, a força de seu corpo, de seus pensamentos e sentimentos intensos como se comandasse minhas ações. Olhei para sua pele branca, seu corpo alvo suave e magro, mas musculoso o bastante, os seios pequenos, mas a gravidez dera-lhes formato e volume. Seus cabelos são lisos e compridos por cima dos ombros, um radiante misto de fios castanhos e dourados da cor dos seus olhos. Linda, pequena e delicada como uma criança mas também forte e esguia como uma mulher adulta. Descubro que a amo intensamente, e que gostaria de passar minha eternidade ao seu lado. Sim, vampiros também amam, um amor igual ao dos mortais, só que com a eternidade real como limite.
Seu sangue foi para mim como o ambrosia recém tirado do forno, eu o misturei ao meu, e deixei que ela me mordesse. Este é o processo osmótico de nascimento de uma nova vampira. Meu sangue vai até seu corpo e é misturado com o que resta de suas hemáceas. Seu sangue foi substituído pelo fluido vampiresco. Ela fecha os olhos e grita estridentemente até quebrar todas os vidros num raio de 10 quilômetros, quase como uma bomba sonora.
São poucos os vampiros com tanto poder de controle e persuasão, e nenhum jamais foi capaz de alcançar minha mente, quanto mais dominá-la desta forma... Sinto minhas memórias sendo vasculhadas e copiadas avidamente. Eu não resisto. Uma jovem vampira selvagem, recém descobrindo seus poderes mentais, assim tornou-se Leila. É claro que ela é poderosíssima, mesmo jovem, pois é uma criatura minha, minha sublime filha das trevas, eu, Samael, o mais antigo e poderoso dos bebedores de sangue. Ela olha para o vaso onde havia enterrado a criança, um breve segundo de atenção e sua percepção capta o movimento das células do feto.
-Podemos salvá-la?
-Sim, mas ela está em um estado de morte muito avançado, e mesmo tornando-se imortal, jamais crescerá da forma humana do termo, assim como você também nunca envelhecerá. Na verdade nunca se sabe o que pode acontecer.
-Que assim seja.
-Então siga-me
Agarrei o vaso e com extrema velocidade voei até uma floresta próxima. Leila me seguiu, rapidamente adaptada a sua nova vida, ou nova morte. Introduzi minhas mãos no xaxim e retirei o feto, cravando-lhe uma de minas presas e bebendo seu sangue devagar. Fiz um pequeno corte em me dedo e deixei escorrer por aquele corpinho já cinzento e frio.
-Deu certo. Já posso sentir sua atividade mental primitiva Vamos enterrá-la.
Leila observara tudo com curiosidade.
- É verdade. E agora?
- Minha cara, a natureza é imprevisível e caótica, fornece-nos os dons mais variados. Neste caso creio que surgiu uma nova forma de vida. Veja!
Caules verdes e viçosos brotaram da terra rapidamente, e após atingirem uns trinta centímetros expelem flores vermelhas em profusão, além de espinhos afiados e prenhes de veneno. Um silvo agudo sinaliza que um dos espinhos e ejetado, atingindo um pardal azarado, que cai entre suas folhas... sua primeira refeição.
-Observe, Leila, o aparecimento de um vampiro vegetal, a Flora mitológica e mortífera, uma verdadeira obra de arte da natureza, uma inflorescência do Caos. Um ser concebido pela sua dor mortal e moldado pelo meu engenho milenar. Jamais haverá criatura tão bela, mortífera e singular.
Agora posso contemplar com mais calma a forma imortal de Leila. Seus olhos continuam com a mesma doçura, a pele adquiriu tons ainda mais suaves, o cabelo ficou mais radiante. Se ambos fôssemos mortais, ela seria uns seis anos mais velha que eu, embora aparentássemos a mesma idade. Ela olha fixamente para mim, transmitindo sutis ondas de calor, que batem em meu corpo e entram em ressonância com meus pensamentos.. Nosso amor sobrenatural irradia-se em todas as direções, agita os pássaros, os insetos, os pequenos roedores e faz brotar as flores do campo. Uma pequena chuva começa a cair, seguida de raios de sol e um belo e esplendoroso arco-íris. Felizes como um casal de namorados, caminhamos pelas flores, rimos e brincamos até que ela pára e sente um cheiro que faz seus olhos ficarem demoníacos.
-Samael, estou com fome, com muita FOME.
-Hehehe, então vamos caçar, minha querida, há muita comida disponível Vamos ver quem chega primeiro na cidade. E lembre-se de deixar as crianças para a sobremesa.
Não adianta. Eu sou Samael, o feroz e lendário vampiro, e não há nada que eu faça melhor que beber sangue.

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